Floribella ou a inocência perdida
Se admitirmos que cultura popular denuncia aspectos fundamentais de uma moral colectiva, então não será difícil entender o porquê do fenómeno "Floribella" no nosso pequeno rectângulo. A verdade é que em Portugal sempre se gostou muito de cantar o fado da degraçadinha, da pequenês conformada consigo própria, da mediocridade bucólica e da choupana alegre. Aliás, o bom e o mau português têm a capacidade comum de trautear pelo menos um excerto do ex libris da nossa música nacional "Uma Casa Portuguesa". Passo então a citar duas estrofes da dita canção e desafio a quem me estiver a ler a comparar com aquilo que se ouve da boca da inocente Floribella:
"Numa casa portuguesa fica bem / pão e vinho sobre a mesa. E se à porta humildemente bate alguém, / senta-se à mesa co'a gente.Fica bem essa fraqueza, fica bem, / que o povo nunca a desmente. A alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar, e ficar contente.".
"No conforto pobrezinho do meu lar, / há fartura de carinho. A cortina da janela e o luar, / mais o sol que gosta dela...Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar / uma existéncia singela...É só amor, pão e vinho e um caldo verde, verdinho a fumegar na tijela.".
Ora, adaptando este conteúdo à realidade actual e transformando-o numa canção infantil, temos a música mais conhecida da Floribella. Não disponho de dados que o provem, mas se for verdade que uma cultura ancestral se pode inscrever no código genético, é bem possível que seja relativamente fácil às gerações hodiernas aceitar esta música como sua. E mesmo que assim não seja, as crianças de hoje convivem com avós (e mesmo com os pais), tios-avós...enfim, tudo gente que esteve imersa nesse culto da pobreza conformada e que é compensada com generosidade e com a riqueza espiritual.
Talvez tudo isto esteja errado...e as crianças aceitem a música simplesmente graças a uma máquina publicitária poderosíssima que opera nos bastidores da flores coloridas da Floribella. As estratégias de manipulação de um público vulnerável e, simultâneamente, exigente como é o infantil, são perversas e incutem no espírito de integração social das crianças a competição. O que quero dizer com isto é que a publicidade está vocacionada para a forma como os indivíduos se integram, segredando-lhes ao inconsciente "Não compras, não és aceite...não tens, não vingas". Ou seja: o mote é o medo do isolamento, numa sociedade individualista e solitária como é aquela que temos. É a sociedade dos prédios que são jaulas, das relações precárias, da competição selvática, do predador de hoje que é a presa de amanhã, das inseguranças e das incertezas. Cada vez mais, os indivíduos se apercebem de que a aceitação social significa possuir meios cada vez mais estilizados e específicos que permitam a sobrevivência no tecido social.
É isto que a máquina publicitária da Floribella tem feito, vendendo roupas, discos e gadgets. Manipula um público vulnerável que, por sua vez e à sua maneira, persuade um público adulto que frequentemente cede aos seus caprichos. Talvez valesse a pena que a sociedade fosse informada dos meios usados pela publicidade para atingir o fim de uma compra certa; a consciência crítica poderia evitar o consumo selvagem que a publicidade propicia e os seus efeitos perversos.
"Numa casa portuguesa fica bem / pão e vinho sobre a mesa. E se à porta humildemente bate alguém, / senta-se à mesa co'a gente.Fica bem essa fraqueza, fica bem, / que o povo nunca a desmente. A alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar, e ficar contente.".
"No conforto pobrezinho do meu lar, / há fartura de carinho. A cortina da janela e o luar, / mais o sol que gosta dela...Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar / uma existéncia singela...É só amor, pão e vinho e um caldo verde, verdinho a fumegar na tijela.".
Ora, adaptando este conteúdo à realidade actual e transformando-o numa canção infantil, temos a música mais conhecida da Floribella. Não disponho de dados que o provem, mas se for verdade que uma cultura ancestral se pode inscrever no código genético, é bem possível que seja relativamente fácil às gerações hodiernas aceitar esta música como sua. E mesmo que assim não seja, as crianças de hoje convivem com avós (e mesmo com os pais), tios-avós...enfim, tudo gente que esteve imersa nesse culto da pobreza conformada e que é compensada com generosidade e com a riqueza espiritual.
Talvez tudo isto esteja errado...e as crianças aceitem a música simplesmente graças a uma máquina publicitária poderosíssima que opera nos bastidores da flores coloridas da Floribella. As estratégias de manipulação de um público vulnerável e, simultâneamente, exigente como é o infantil, são perversas e incutem no espírito de integração social das crianças a competição. O que quero dizer com isto é que a publicidade está vocacionada para a forma como os indivíduos se integram, segredando-lhes ao inconsciente "Não compras, não és aceite...não tens, não vingas". Ou seja: o mote é o medo do isolamento, numa sociedade individualista e solitária como é aquela que temos. É a sociedade dos prédios que são jaulas, das relações precárias, da competição selvática, do predador de hoje que é a presa de amanhã, das inseguranças e das incertezas. Cada vez mais, os indivíduos se apercebem de que a aceitação social significa possuir meios cada vez mais estilizados e específicos que permitam a sobrevivência no tecido social.
É isto que a máquina publicitária da Floribella tem feito, vendendo roupas, discos e gadgets. Manipula um público vulnerável que, por sua vez e à sua maneira, persuade um público adulto que frequentemente cede aos seus caprichos. Talvez valesse a pena que a sociedade fosse informada dos meios usados pela publicidade para atingir o fim de uma compra certa; a consciência crítica poderia evitar o consumo selvagem que a publicidade propicia e os seus efeitos perversos.
0 Comentário(s):
Enviar um comentário
<< Home