23 fevereiro, 2007
07 fevereiro, 2007
05 fevereiro, 2007
03 fevereiro, 2007
Vai votar “assim não” ou “sim, mas”?
Não. Não se vai aqui explanar argumentos acerca do aborto para defender uma linha de voto. Pelo menos directamente. Para tanto, o debate público a que assistimos está a ser exaustivo (o que poderá operar como causa de abstenção), a modo que a sua análise se apresenta não raras vezes desfocada e exacerbada.
Vamos, portanto, tentar objectividade crítica, e, de antemão, assentar o terreno acerca do que será, no plano dos factos, este concreto referendo. Começamos pela sua natureza: o referendo político vínculativo a nível nacional, sendo um voto, é amíude um instrumento de democracia directa. Estruturalmente, dir-se-ia semelhante a uma autorização legislativa de elaboração de normas jurídicas. Mas não é assim, designadamente por uma razão que ressalta de imediato: a muito maior liberdade concedida ao legislador. Isto decorre de o referendo versar sobre uma questão em concreto à qual um sim ou não ditarão o sentido da ulterior alteração legislativa. Mas não há uma densificação suficiente desse sentido, antes uma mera pré-fixação da direcção a lhe imprimir.
Estas considerações jurídicas abarcam uma íncidível consequência no domínio da refutabilidade dos argumentos usados e nas suas relações: nós estamos a dizer “sim” ou “não”, apenas indirectamente quer à questão em abstracto do aborto, quer à sua mera despenalização – e directamente a uma determinada lei, a lei que o PS aprovará caso ganhe o “sim”!
E o que faz essa lei? A efectiva liberalização da prática da IVG até às dez semanas. Penalizando a sua ocorrência após este prazo. Tendo na franja o brocado romano de que “nunca poderá haver uma pena sem crime, mas podem existir crimes sem pena” (e, portanto, pode haver despenalização sem efectiva liberalização) enfrentamos um quase-paradoxo de argumentos. Quer do sim, quer do não. Designadamente: quem diz que nenhuma mulher pode ser presa pela sua prática, acenta o seu raciocínio num plano intemporal – e assim em última análise não concorda com esta lei. E quem defende o valor vida em termos absolutos, diz não quer à lei por aprovar quer à lei em vigor.
Doutro prisma: sendo o conflito de valores e príncipios ético-jurídicos em presença complexo, certas justificações do “não” serão muito idênticas a determinados argumentos do “sim” e vice-versa. Porque agora já entramos na natureza do aborto enquanto fenómeno social ou ao “amago da questão”, se preferirem. Desde logo: é o assasínio de um ser humano – logo, indubitavelmente, reprovável. Por outro lado, o seu contexto tende a mitigar essa censurabilidade. Não por um juízo de “liberdade de opção”, mas atendendo à ideia de que quem o pratica não o faz de ânimo leve, nem como meio contraceptivo em sentido próprio. Fá-lo em virtude de uma anterior negligência que lhe vale, no mínimo, como auto-reprovação moral e social. Esta auto-reprovação será, creio (e quero acreditar que sim!), dupla, em caso de efectiva prática da IVG. A tutela da vida uterina reclama ainda imputar crime?
Fica a questão, mas vinque-se-lhe o natureza: tem na sua sombra uma determinada lei. Há imensa gente que irá votar sim porque não quer criminalizar as mulheres, logo acredita estar unicamente a responder de forma objectiva à pergunta do boletim de voto, o que, não sendo mentira, não é interamente verdade, porque não é só isso. As objecções relevantes advém não só da matéria dos prazos para abortar “ legalmente”, como do seu processo.
Mas repare-se ainda uma situação diferente: um voto “não” que, aceitando a despenalização, (e já não com argumento circunscrito à força peculiar do valor vida) fundamenta-se na possível liberalização de algo que, em última análise, será substancialmente um método de contracepção inaceitável. O que há de crítica possível aqui é que se ignora a eminente virtualidade história de um fenómeno que, clandestina ou legalmente, com mais ou menos condições, sempre existiu – e há clinicas privadas para quem tem bolsos. Logo os Estado quer “regular”. A bem ou a mal logo se verá. A contrário, o controlo da sua prática passaria então mais pela objecção de consciência, promoção do planeamento familiar e educação sexual (primacialmente de âmbito famíliar), e políticas sociais no geral, do que pela (des)penalização. Conclusão: a questão em concreto estará sempre enviesada se recondizível a um binómino sim/não; e, como tal, nestes moldes, inconclusiva.
Vamos, portanto, tentar objectividade crítica, e, de antemão, assentar o terreno acerca do que será, no plano dos factos, este concreto referendo. Começamos pela sua natureza: o referendo político vínculativo a nível nacional, sendo um voto, é amíude um instrumento de democracia directa. Estruturalmente, dir-se-ia semelhante a uma autorização legislativa de elaboração de normas jurídicas. Mas não é assim, designadamente por uma razão que ressalta de imediato: a muito maior liberdade concedida ao legislador. Isto decorre de o referendo versar sobre uma questão em concreto à qual um sim ou não ditarão o sentido da ulterior alteração legislativa. Mas não há uma densificação suficiente desse sentido, antes uma mera pré-fixação da direcção a lhe imprimir.
Estas considerações jurídicas abarcam uma íncidível consequência no domínio da refutabilidade dos argumentos usados e nas suas relações: nós estamos a dizer “sim” ou “não”, apenas indirectamente quer à questão em abstracto do aborto, quer à sua mera despenalização – e directamente a uma determinada lei, a lei que o PS aprovará caso ganhe o “sim”!
E o que faz essa lei? A efectiva liberalização da prática da IVG até às dez semanas. Penalizando a sua ocorrência após este prazo. Tendo na franja o brocado romano de que “nunca poderá haver uma pena sem crime, mas podem existir crimes sem pena” (e, portanto, pode haver despenalização sem efectiva liberalização) enfrentamos um quase-paradoxo de argumentos. Quer do sim, quer do não. Designadamente: quem diz que nenhuma mulher pode ser presa pela sua prática, acenta o seu raciocínio num plano intemporal – e assim em última análise não concorda com esta lei. E quem defende o valor vida em termos absolutos, diz não quer à lei por aprovar quer à lei em vigor.
Doutro prisma: sendo o conflito de valores e príncipios ético-jurídicos em presença complexo, certas justificações do “não” serão muito idênticas a determinados argumentos do “sim” e vice-versa. Porque agora já entramos na natureza do aborto enquanto fenómeno social ou ao “amago da questão”, se preferirem. Desde logo: é o assasínio de um ser humano – logo, indubitavelmente, reprovável. Por outro lado, o seu contexto tende a mitigar essa censurabilidade. Não por um juízo de “liberdade de opção”, mas atendendo à ideia de que quem o pratica não o faz de ânimo leve, nem como meio contraceptivo em sentido próprio. Fá-lo em virtude de uma anterior negligência que lhe vale, no mínimo, como auto-reprovação moral e social. Esta auto-reprovação será, creio (e quero acreditar que sim!), dupla, em caso de efectiva prática da IVG. A tutela da vida uterina reclama ainda imputar crime?
Fica a questão, mas vinque-se-lhe o natureza: tem na sua sombra uma determinada lei. Há imensa gente que irá votar sim porque não quer criminalizar as mulheres, logo acredita estar unicamente a responder de forma objectiva à pergunta do boletim de voto, o que, não sendo mentira, não é interamente verdade, porque não é só isso. As objecções relevantes advém não só da matéria dos prazos para abortar “ legalmente”, como do seu processo.
Mas repare-se ainda uma situação diferente: um voto “não” que, aceitando a despenalização, (e já não com argumento circunscrito à força peculiar do valor vida) fundamenta-se na possível liberalização de algo que, em última análise, será substancialmente um método de contracepção inaceitável. O que há de crítica possível aqui é que se ignora a eminente virtualidade história de um fenómeno que, clandestina ou legalmente, com mais ou menos condições, sempre existiu – e há clinicas privadas para quem tem bolsos. Logo os Estado quer “regular”. A bem ou a mal logo se verá. A contrário, o controlo da sua prática passaria então mais pela objecção de consciência, promoção do planeamento familiar e educação sexual (primacialmente de âmbito famíliar), e políticas sociais no geral, do que pela (des)penalização. Conclusão: a questão em concreto estará sempre enviesada se recondizível a um binómino sim/não; e, como tal, nestes moldes, inconclusiva.
Vai votar assim não ou sim mas?