Por causa dos ventos de direita...
"Fim-de-semana com o morto
Um grupo de nostálgicos tenciona hoje rumar a Santa Comba Dão. A Câmara local, depois de um delírio anacrónico, decidiu ‘permitir’ o abuso, ou seja, permitir que umas dúzias de infelizes se reúnam junto à campa do patrono. Não sei que diga. A tentação de proibir seria uma traição fulgurante ao espírito de Abril. Mas a tentação de permitir, cautela, ainda acaba por acordar o António que, comovido pela saudade, regressa do Além para nos pastorear. O filme não seria apenas um sucesso entre os ‘fascistas’ residuais. Seria sobretudo um bálsamo para os ‘antifascistas’ do costume, que pelo andar da carroça ainda morrem de tédio com tanta normalidade democrática. Não admira que, dia sim dia sim, os últimos tempos tenham sido pródigos em fantasmas. Não estará a direita, e a extrema-direita, preparada para regressar ao passado? A febre começou com uma brincadeira televisiva, onde sessenta mil telefonemas fizeram uma marcha sobre Lisboa. Continuou com um grupelho xenófobo que, em certos casos e atendendo ao gosto pela violência e pelas armas, é um caso de polícia, não de política. Até chegar à romaria deste sábado, que deu o toque de alarme para que a velha brigada, apesar do reumático, se lançasse pela vara abaixo, pronta para apagar o fogo. Mas que fogo?
Infelizmente para os nostálgicos, e para os nostálgicos dos nostálgicos, a maioria dos portugueses não parece grandemente assustada. E perante revivalismos de sentido oposto, os portugueses sabem que o morto não regressa e que um fim-de-semana com ele merece indiferença ou riso. É o retrato mais saudável da democracia lusa que Abril inaugurou: depois do 25, os nativos avançaram para o 26. Só os ‘fascistas’ e os ‘antifascistas’ continuaram a marchar no 24. Até hoje."
http://expresso.clix.pt/COMUNIDADE/blogs/joao_pereira_coutinho/archive/2007/05/01/34719.aspx