Sei que a história da citação do rei Manuel II Paleólogo do Papa na "aula" que recentemente deu numa universidade alemã está gasta e demasiado comentada. Pois bem, o problema está mesmo aí. Toda a gente, do intelectual opinion maker da imprensa de referência ao zé povinho, explanou as suas considerações e exalou as ilações devidas. Todos se sentiram compelidos a criticar algo que, na sua essência, nada tinha de "comentável". As afirmações de Bento XVI foram de tal modo distorcidas que acabaram por ser fonte de equívocos troantes com o que ele, de facto, defendeu. Ontem, confidenciava-me um amigo: "este papa não vale nada. O outro era a favor do dialógo entre as religiões. Este já não." Outros dois ouviram e replicam : "Pois é! É uma vergonha dizer aquilo. Deixem os muçulmanos em paz!" Isto releva três coisas preocupantes.
Primeira - há jornalistas demasiado burros para serem jornalistas a transmitirem-nos informação diariamente. Se assim não fosse, o cidadão comum já não teria esta percepção, pois teríam-lhe explicado que é precisamente o contrário que este papa acha e exactamente o inverso do que defendeu nessa conferência. A causa é obvia e já foi bastante sublinhada: a infeliz citação do rei bizantino tem de ser analisada no contexto em que foi proferida.
Segunda - o papa defende, como pressuposto para o diálogo inter-religioso, a união necessária entre razão e fé. Será contraproducente pretender que alguma prevaleça sobre a outra ou que ambas se auto-excluam, numa pretensa autoridade impassível de ser saqueada ou posta em causa por alguma delas. Podemos concordar ou não. Mas, mesmo não concordando com o pensamento do sumo pontíficie na sua globalidade, acabo por inequivocamente defende-lo, já que o contra-argumento às críticas feitas por estes meus amigos ao papa não é outro senão precisamente o que ele sustentou: em nome da razão não podemos negar a fé(seja ela pregada por Cristo ou por Maomé - são ambas
fés, crenças, em todo o sentido em que a palavra fé se decompõe), bem como em nome da fé, não podemos iludir a razão (querem trocar a liberdade que os nossos teóricos iluministas conceberam pela enxovia individual de alguns países muçulmanos? - isto também servindo para condenar a inquisição, etc...) Crentes ou não crentes temos de ter noção de que lado estamos da barricada e postergar extremismos.
Terceiro - o mundo está de facto doente. Não os seus actores individualmente considerados. Mas o sound-byte que em conjunto reproduzem. Estamos, nós, "ocidente", com uma ansia extemporânea de sermos levados a sério pelo "oriente". Sublinhe-se que sou adepto do denominado multiculturalismo. Mas o nosso complexo anti-americano está nos a conduzir para uma posição de franco desconforto para com os valores que de facto nos unem. Devemos promover a integração e o diálogo entre culturas mas não a sua conformação sob príncipios de
necessidade ideológica. Ou seja: é vital que saibamos como promover uma convivência harmoniosa sem ferir a harmonia que cada parte já comportava à priori. Acredito que nós, Europa, somos capazes disso. Temo que os muçulmanos já não tanto. Esta é a verdade.
Uma ideia similar, mas sob outro ponto de vista, aconselho,
este artigo de José Manuel Barroso