31 dezembro, 2006

A paz jurídica de Saddam

O que Mario Sorares tentou explicar mas apenas esparçamente fundamentou, está aqui. Um aparetemente irrefutável raciocínio num optimo editorial do director do DN.


Nele se diz que o ganho civilizacional de Soares não é a questão em abstracto da aceitabilidade da pena de morte, nem um hipotetico juízo objectivo da abjecta actuação de Saddam enquanto vivo. É mais o que esta pena capital representa em concreto, neste contexto, nestas perspectivas e neste tom. O tom é irrisório. O tom esse, é o "retrocesso civilizacional" que elucida António José Teixeira. O sujeito é uma cinica diplomacia, que se alastra em equivocos doutrinarios de "democracia."
Mas repare-se que a questão pertinente é esta: exigir isto (que Saddam não fosse condenado à morte) não será desconsiderar os direitos humanos? Intentado política onde deveria prevalecer um tribunal satisfatóriamente "justo" e "imparcial"? Advogados assasinados e pressões políticas não faltaram neste julgamento. Certamente que cabe ao Direito, e não à Sociologia nem à Política, sancionar os hediondos crimes de um ditador. O problema é antes o criterio para a determinação da sanção. Na estatuição restará, pelo que parece, um pujante conflito de príncipios. E foi assim que se condenaram, e bem, dirigentes nazis. E foi assim que historicamente surgiram certos modelos de decisão, também eles "ganhos civilizacionais". Crime contra a humanidade, lenocínio... Saddam aqui se enquadra, mas a natureza configurativa deste caso decidendo obrigará a raciocíonios que poderão não necessariamente ser extra-jurídicos, mas serão, certamente humanitários e políticos. O juízo de um juiz, como a palavra, fica para quem o profere. Desconfio de uma pretensa completude positivista do sistema por isto. Direi, pelo menos, que a firmeza de um tribunal de guerra será, necessariamente, conjectural. Um Tribunal que se queira Internacional e internacionalmente respeitado não poderá anuir a uma vileza e insanidade espiritual de medievalmente mortificar e privar de vida o ser, por mais abominável que seja, sem no mínimo indagar as reacções e interpretações que daí se repercutem, num encarar teleologico e finalista da sentença em si. Há aqui ma ponderação ulterior, que pode não escapar às leis, e que será, em ultima análise, política. Ao contextualizarmos esta decisão, repararemos que não se procurou nenhuma paz jurídica. Ou melhor, que, pelo menos, a que se procurou não se coadunará com qualquer tipo de paz social, já que não se ateve ao desenrolar histórico deste julgamento nem se considerou o perpectuar de tensões sociais que causará.
Em guerra, o que resta da ordem é a primitiva natureza social do homem. Rauf Rahmane desiludiu a Europa.
PS: Já agora, interessante artigo: Rui Manchete, Renovação da classe política.

27 dezembro, 2006

O ano que vem

Primeiro que tudo: será duro. Em todos os aspectos. Não será, ao contrário dos anteriores, um ano de incertezas sinistras com deficit´s macabros à mistura. Pelo contrário. Será de decisões importantes; e, antes de mais, de oportunidade para tomar essas decisões. Repare-se que as mais adequadas serão, provavelmente, as mais duras. Será um ano de pura economia. Relembremos a génese da palavra crise como fase de mudança. Este é o fundo de verdade na mensagem do nosso PM. Marcelo dava 14 a este discurso. Claro que a propaganda está lá. Mas surge à posteriori, no enfatizar, do que "nós"(governo) andamos a tentar fazer. Quando da pura economia decorre de imediato o investimento e as variáveis macro-economicas, as perspectivas são inconstantes e verdadeiramente duras.
Prossigamos: será o ano chave politicamente. O meio-termo da legislatura. O sim ou sopas. Se bem que toda a gente já percebeu que Marques Mendes será candidato e assim Sócrates terá, de mão beijada, nova maioria. É esta a dinâmica que o plafond dos media lê nas trovas que passam. Assim espera o país e espera Cavaco. É o seu "centrão" que elegerá Sócrates se tudo no essencial correr de feição.
Retenhamos uma coisa: para meio-final do ano será necessária uma remodelação ministerial. A bem eleitoral do governo no seu todo e da estabilidade. Pinho e Nunes Correira parecem-me, a mim, os mais susceptíveis. O primeiro porque, sendo competente, lhe falta o carisma precioso para os proximos tempos. O segundo porque não existe. Ah e o Alberto Costa. Esse também se diz de ser sem existir.
Por último: com aborto mas sem regionalização. Este país é muita ideologia para flácido pragmatismo. Obvio que o tema do aborto é dos mais fascinantes e onde eu tenho uma visão quase pró-bloco de esquerda(o que é raro). Socrátes deu-se a este pecado original de alambicar a causa que tanto jeito lhe fazia, para encapotar a estrutura administrativa do Estado sem lhe refazer o esteio à medida. Tenho ideia que a arquitectura do PRACE é muita parra para pouca uva. A dos Governadores Civis caíu ao primeiro assalto...
Mas deixemos lá isso por agora. Pró ano cá estaremos. boas entradas;-)

20 dezembro, 2006

Mais uma para a colecção


«Não acredito que Pinto da Costa tenha festejado uma derrota de Portugal» (Madail)

Ora bem... Acusações feitas pelo Ministério Público a Jorge Nuno Pinto da Costa:

" Fortes indícios da prática de:

- 3 crimes de Corrupção Desportiva Activa (relativo aos jogos FCP-Estrela Amadora, Nacional-Benfica, Beira-Mar-FCP)
- 1 Crime de Falsificação de Documento Agravado sob a forma de cumplicidade (relativo a manobras de classificação do árbitro que apitou a final da Supertaça entre FCP e U. Leiria)
- 3 Crimes de Tráfico de Influência Activa (relativo aos casos Deco, processo disciplinar de PC e caso José Mourinho)

Resultam indícios, mas não fortes, da prática de:
- 1 Crime de Corrupção Desportiva Activa (relativo ao jogo FCP-Nacional)
- 3 Crimes de Abuso de Poder sob Forma de Instigação (relativo aos jogos FCP-Maia, Sp. Braga-FCP e FCP-U. Leiria)"

Todavia nada importa mais a Gilberto Madaíl a não ser a possibilidade de Pinto da Costa ter celebrado a vitória da selecção grega no Euro 2004. Haverá crime maior do que não gostar da selecção nacional de futebol?

Sensatez de ouro

nota vinte para este artigo.
Pelo menos em Direito, tudo passa pela lógica filosófica. Por mais ou menos burro que se seja, quem não sabe como pensar, nunca saberá pensar minimamente.

02 dezembro, 2006

Floribella ou a inocência perdida

Se admitirmos que cultura popular denuncia aspectos fundamentais de uma moral colectiva, então não será difícil entender o porquê do fenómeno "Floribella" no nosso pequeno rectângulo. A verdade é que em Portugal sempre se gostou muito de cantar o fado da degraçadinha, da pequenês conformada consigo própria, da mediocridade bucólica e da choupana alegre. Aliás, o bom e o mau português têm a capacidade comum de trautear pelo menos um excerto do ex libris da nossa música nacional "Uma Casa Portuguesa". Passo então a citar duas estrofes da dita canção e desafio a quem me estiver a ler a comparar com aquilo que se ouve da boca da inocente Floribella:

"Numa casa portuguesa fica bem / pão e vinho sobre a mesa. E se à porta humildemente bate alguém, / senta-se à mesa co'a gente.Fica bem essa fraqueza, fica bem, / que o povo nunca a desmente. A alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar, e ficar contente.".

"No conforto pobrezinho do meu lar, / há fartura de carinho. A cortina da janela e o luar, / mais o sol que gosta dela...Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar / uma existéncia singela...É só amor, pão e vinho e um caldo verde, verdinho a fumegar na tijela.".

Ora, adaptando este conteúdo à realidade actual e transformando-o numa canção infantil, temos a música mais conhecida da Floribella. Não disponho de dados que o provem, mas se for verdade que uma cultura ancestral se pode inscrever no código genético, é bem possível que seja relativamente fácil às gerações hodiernas aceitar esta música como sua. E mesmo que assim não seja, as crianças de hoje convivem com avós (e mesmo com os pais), tios-avós...enfim, tudo gente que esteve imersa nesse culto da pobreza conformada e que é compensada com generosidade e com a riqueza espiritual.

Talvez tudo isto esteja errado...e as crianças aceitem a música simplesmente graças a uma máquina publicitária poderosíssima que opera nos bastidores da flores coloridas da Floribella. As estratégias de manipulação de um público vulnerável e, simultâneamente, exigente como é o infantil, são perversas e incutem no espírito de integração social das crianças a competição. O que quero dizer com isto é que a publicidade está vocacionada para a forma como os indivíduos se integram, segredando-lhes ao inconsciente "Não compras, não és aceite...não tens, não vingas". Ou seja: o mote é o medo do isolamento, numa sociedade individualista e solitária como é aquela que temos. É a sociedade dos prédios que são jaulas, das relações precárias, da competição selvática, do predador de hoje que é a presa de amanhã, das inseguranças e das incertezas. Cada vez mais, os indivíduos se apercebem de que a aceitação social significa possuir meios cada vez mais estilizados e específicos que permitam a sobrevivência no tecido social.

É isto que a máquina publicitária da Floribella tem feito, vendendo roupas, discos e gadgets. Manipula um público vulnerável que, por sua vez e à sua maneira, persuade um público adulto que frequentemente cede aos seus caprichos. Talvez valesse a pena que a sociedade fosse informada dos meios usados pela publicidade para atingir o fim de uma compra certa; a consciência crítica poderia evitar o consumo selvagem que a publicidade propicia e os seus efeitos perversos.